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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011


O jornal Diário do Pará traz em sua edição do dia 06/11/2010, a manchete: Chegou a hora de encarar o ENEM. E como tema da reportagem: " ENEM testa 164 mil no Pará hoje e amanhã". Por certo cada um que conseguiu se inscrever (pagar) para submeter-se ao exame, deve ter se preparado intelectual, psicológica e fisicamente, devido à relevada importância que o exame vem assumindo gradativamente desde quando fora criado em 1998. E nos fora apresentado como sendo um ingênuo teste de carater auto-avaliativo e opcional, aos alunos concluintes do ensino médio.
Evidentemente não será o primeiro tampouco o ultimo teste que esses candidatos ao ensino superior enfrentarão. Todavia, será que em algum momento em suas vidas pararam para se perguntar o porquê dessa corrida frenética? Se isso atende a algum propósito e interesse? É provável que nunca tenham tido tempo para isso.
No texto A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS (cap.5), Michek Foucaut ( filósofo francês, 1926-1984), identifica como sendo a primeira função das instituições de de sequestro, estatais ou não ( escolas, hospitais, prisões ...), A EXTRAÇÃO DA TOTALIDADE TO TEMPO, isso é, o indivíduo doa todo seu tempo de existência ao trabalho. E como segundo, FAZER COM QUE O CORPO DOS HOMENS SE TORNE FORÇA DE TRABALHO. O trabalho passa a ser o meio pelo qual o indivíduo alcança uma recompensa dentro de um mecanismo que Foucaut classifica como sendo do consumo e da publicidade ( nos países desenvolvidos).
Quando uma criança aprende a falar, ler e escrever, ela já começa a formar seu currículo, isso é, ela já está sendo capturado pelo que Foucault chama de tecnologia política dos corpos. O indivíduo torna-se um objeto sob total controle e observação contínua. A disciplina imposta a ele, torna-o apto e domesticado, forte e manso, um perfeito cidadão que acredita piamente em máximas como: cabeça vazia... Oficina do diabo; o trabalho dignifica o homem; garanta seu futuro estudando no...; teste seu conhecimento, inscreva-se na... E tantas outras que ao que parece tentam criar estereótipos quase literários, digo, personagens planos de suas próprias vidas.
Depois de ter o tempo e força transformados em trabalho (primeira e segunda funções), as instituições de sequestros ainda submetem o indivíduo a uma terceira , ou seja, AO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO E UM MICRO-PODER JUDICIÁRIO. É nesse contexto que devemos fixar nossa atenção. Segundo o filósofo francês, " o sistema escolar é também inteiramente baseado em uma espécie de poder judiciário. A todo momento se pune e se recompensa, se avalia, se classifica, se diz quem é o melhor, quem é o pior". Ora! O ENEM além de representar, ainda serve de ferramenta de adequação a todos os propósitos e interesses surgidos nos primórdios do capitalismo, e que nos são repassados até hoje com um belo rótulo de modernidade. Tais interesses e propósitos moldados por conflitos de poderes, parecem ter adquirido vida própria. Ironicamente dentro desse prisma a criatura passara a dominar o criador, isto é, a humanidade. Ela desenvolve-se, multiplica-se, aperfeiçoa-se em todas as esferas existenciais do ser humano, como uma tecnologia do saber, do poder, do pensamento etc. Algo brilhantemente representado no filme MATRIX( co-produção australiana e norte-americana de 1999. Dirigida por Andy Wachowski e Larry Wachowski ).
Submeter-se, e passar em exames como o do pezinho, tem a mesma importância psicológica no âmbito familiar que tem ser aprovado no vestibular ou alcançar uma boa pontuação no ENEM, pois indica normalidade. E normalidade é especialmente circundada pela disciplina. Observe a relação de coisas que podem e que não podem ser portadas no momento da aplicação do ENEM. Esse meio de avaliação que pune e recompensa também segue o modelo panóptico que geralmente é adotado pelas instituições de sequestro, que segundo Michek Foucaut consiste em querer fazer com que o maior número de pessoas seja oferecida como espetáculo a um só indivíduo encarregado de vigiá-los. Todavia não quero reter-me em questões estruturais adotados por aquelas instituições, e sim nos meios de controle aplicados por elas.
O indivíduo vê seu tempo tomado, sua força tomada, vê sua vida controlada pelos poderes do Estado e pelos micro- poderes. Então por que o controle ainda é possível? Por que o indivíduo submete-se a tal situação?
Ora! mesmo se o indivíduo fosse tomado pela luz de consciência sobre sua situação ele somente descobriria que desde que nascera fora doutrinado a pensar que o seu trabalho (que é o resultado da supressão de sua vida) é o fiel da balança na sua relação com o poder econômico e o poder político que estão intrissicamente ligados à sua realidade social. Então para esse indivíduo envolvido até a alma, capturado pelos olhos, ouvidos, boca, narinas, pele, pensamentos e sonhos, desligar-se dessa realidade seria (suponho) algo como recuperar alguém que fora viciado em uma droga fortíssima por toda sua vida. Evidentemente não trata-se de um feito impossível, todavia seria necessário fazer com que esse indivíduo fizesse a pergunta: " por que essa corrida frenética? Se isso atende a algum propósito ou interesse, aquém ou a que serve tal propósito e interesse?", e ainda, fazer com que ale não chegasse a conclusão de que pensar sobre isso não passa de perda de tempo, e tempo é "dinheiro!".
Contudo, o período que sucede a preparação e precede o descarte é demasiadamente efêmero, isto é, não há de fato uma moeda de troca, o que há é uma via de mão única, e para tentar equilibrar essa situação, tendo em vista que estamos todos diretamente conectados a essa realidade; seria necessário mudar as diretrizes educacionais já nas bases do ensino primário, implantando pensamentos questionadores e reflexivos, para que possivelmente em uma ou duas gerações, se ainda existisse o ENEM, o candidato ao menos saberia o porquê está sendo obrigado a submeter-se a tal exame, e talvez pensasse, completamente ausente de culpa, que poderia não fazê-lo se assim desejasse.

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